Publicado em: 15/06/2023.

A dação em pagamento de excedente de produção de entidade técnica para pagamento de fornecedores, dentro da exata natureza jurídica do instituto, é legal, desde que excepcional e mediante a demonstração das vantagens ao interesse público, conforme prevê o parágrafo 1º do artigo 6º da Lei Estadual nº 15.608/07 (Lei de Licitações e Contratos do Estado do Paraná).

A demonstração das vantagens deve ser efetivada pontualmente; e os preços dos insumos devem ter sido objeto de prévia licitação que garanta a seleção da melhor proposta de fornecimento e cotados em moeda corrente. Os grãos a serem utilizados devem ser avaliados de acordo com o mercado, de modo independente e com a devida justificativa, demonstrada por elementos robustos e consideradas as variáveis, inclusive futuras, que podem impactar os preços.

A inserção de previsão de dação em pagamento dos grãos excedentes de produção no edital de licitação para compra de insumos, como prerrogativa da administração pública, depende da demonstração de que não haverá prejuízo à ampla competividade do certame, com a existência de potenciais fornecedores que aceitem essa modalidade de pagamento em número suficiente para a garantia desse princípio. Caso contrário, caberá apenas como faculdade do credor, como prevê o artigo nº 356 do Código Civil.

Respeitados o regramento legal e as premissas acima, o excedente de produção de grãos pode ser utilizado tanto para pagamento integral como parcial das compras de insumos efetuadas pela entidade púbica.

No entanto, não é regular a vinculação de aquisição de insumos a um quantitativo de grãos decorrentes de excedente de produção por autarquia especializada, inclusive com o uso de cooperativas rurais, pois os valores dos insumos devem ser balizados no preço de mercado e ser fixados em moeda e corrente, como exigem os artigos 5º da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) e 12, inciso II, da Lei nº 14.133/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos).

Além disso, a seleção do fornecedor deve ser efetuada em regular processo licitatório, conforme os princípios que o regem; em especial, a ampla competividade, em atendimento às disposições do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal (CF/88), do artigo 3º da Lei 8.666/93 e do artigo 5º da Lei nº 14.133/21.

Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR) – entidade criada em 2019, que incorporou Iapar, Emater e Codapar. Na consulta, o presidente do IDR-PR questionou sobre a possiblidade de aquisição de insumos com dação de pagamento dos subprodutos de pesquisa da entidade, consistentes no excedente da produção.

Instrução do processo

O parecer técnico elaborado por engenheiro agrônomo da entidade consulente aponta que há potenciais vantagens no modelo questionado. A Coordenadoria de Gestão Estadual (CGE) do TCE-PR apresentou exemplos de leilões realizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para a alienação do excedente de pesquisa.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) afirmou que, uma vez fixados os valores dos insumos em moeda corrente, a dação em pagamentos dos grãos decorrentes do excesso de produção da pesquisa técnica é legal, desde que comprovadas as vantagens ao interesse público.

Legislação

O inciso XXI do artigo 37 da CF/88 dispõe que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes.

O artigo nº 356 do Código Civil estabelece que o credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida. O artigo seguinte (357) expressa que, determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda.

O artigo 3º da Lei 8.666/93 fixa que a licitação se destina a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração. O artigo 5º dessa lei dispõe que todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional.

O artigo 14 da Lei de Licitações e Contratos estabelece que nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento. O inciso V do artigo seguinte (15) expressa que as compras, sempre que possível, deverão balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública.

O inciso II do artigo 17 da Lei 8.666/93 fixa que a alienação de bens da administração pública, quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação. O inciso III do artigo 55 dessa lei dispõe que são cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam o preço e as condições de pagamento.

O artigo 5º da Lei nº 14.133/21 estabelece que na aplicação dessa norma serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

O inciso II do artigo 12 da Lei nº 14.133/21 expressa que, no processo licitatório, os valores, os preços e os custos utilizados terão como expressão monetária a moeda corrente nacional.

O artigo 7 da Nova Lei de Licitações e Contratos fixa que a alienação de bens da administração pública, tratando-se de bens móveis, dependerá de licitação na modalidade leilão.

O artigo 103 da Lei nº 14.133/21 dispõe que o contrato poderá identificar os riscos contratuais previstos e presumíveis e prever matriz de alocação de riscos, alocando-os entre contratante e contratado, mediante indicação daqueles a serem assumidos pelo setor público ou pelo setor privado ou daqueles a serem compartilhados. O parágrafo 2º desse artigo fixa que os riscos que tenham cobertura oferecida por seguradoras serão preferencialmente transferidos ao contratado.

O inciso IV do artigo 6º da Lei Estadual nº 15.608/07 estabelece que a alienação de bens da administração pública estadual subordina-se à licitação na modalidade de concorrência ou leilão público. O parágrafo 1º desse artigo expressa que a dação em pagamento pode ser utilizada pela administração quando motivada a vantagem ao interesse público.

Decisão

O relator do processo, conselheiro Augustinho Zucchi, explicou que a dação em pagamento é uma causa extintiva das obrigações em que o credor consente em receber objeto diverso ao da prestação originariamente pactuada, com efeito liberatório, extinguindo-se a obrigação; e, portanto, trata-se de modalidade de adimplemento indireto.

Zucchi afirmou que a aquisição de insumos deve ser precedida da devida licitação, com respeito às normas legais que a regem, com início no adequado planejamento da contratação, definição de riscos da contratação e sua gestão, processo de seleção do fornecedor, contratação e execução contratual.

O conselheiro ressaltou que, mesmo sujeitos a flutuação, os preços dos insumos devem ser fixados no edital do certame, mediante adequado processo de planejamento de contratação, em moeda corrente nacional; e devem estar balizados nos preços praticados no âmbito da administração pública.

O relator destacou que a legislação exige que a entidade apresente os preços dos insumos que deseja adquirir no edital de licitação, estabelecidos em moeda corrente, com adequado planejamento, não sendo legal a fixação de modo proporcional a excedentes de produção. Além disso, o critério de julgamento deverá ser o menor preço, também estabelecido em moeda corrente.

Zucchi salientou que é possível a utilização do excedente de produção para pagamento dos insumos, em efetiva dação em pagamento, desde que haja vantagens ao interesse público; e que há precedentes jurisprudenciais que admitem a prática, inclusive com previsão no edital.

O conselheiro frisou que o que não é admissível pela legislação é a vinculação dos insumos de modo proporcional aos grãos, sem fixação dos valores dos insumos e dos grãos em moeda corrente. Ele também afirmou que não pode haver o estabelecimento dos preços no momento da execução contratual, pois os riscos da flutuação de preços em ambos os produtos seriam integralmente assumidos pela administração.

O relator destacou que a situação deverá ser analisada pontualmente, de acordo com a realidade de mercado no momento, não cabendo, em regra, predefinição. Mas ele lembrou que a regra dos contratos administrativos é que os pagamentos sejam feitos em moeda corrente, consistindo a dação em pagamento a exceção.

Finalmente, Zucchi ressaltou que a análise das vantagens ao interesse público da dação de produtos em pagamento pressupõe e existência de ampla competividade no certame que originará o contrato. Assim ele concluiu que, ela apenas pode ser inserida no edital do certame, como prerrogativa da administração, se existirem empresas suficientes a competir pelos preços dos insumos considerando essa modalidade de pagamento como obrigatória.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão de Plenário Virtual nº 9/23 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 25 de maio. O Acórdão nº 1313/23 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 6 de junho, na edição nº 2.995 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).

Serviço

Processo :755884/21
Acórdão nº1313/23 – Tribunal Pleno
Assunto:Consulta
Entidade:Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná
Relator:Conselheiro Augustinho Zucchi

Autor: Diretoria de Comunicação Social

Fonte: https://www1.tce.pr.gov.br/noticias/e-possivel-dacao-em-pagamento-de-excedente-de-producao-para-compras/10545/N