Publicado em: 13/04/2023.

A atuação de entidade privada sem fins lucrativos qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) não está restrita ao regime jurídico da Lei nº 9.790/99, que institui e disciplina o termo de parceria. Portanto, uma Oscip pode firmar outros instrumentos com o poder público, como termos de colaboração, termos de fomento e acordos de cooperação, sujeitando-se, em cada caso, à disciplina normativa peculiar de cada instrumento.

Além disso, não é vedada a participação de entidades qualificadas como Oscips nas parcerias regidas pela Lei nº 13.019/14 (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil), por meio de termos de colaboração ou termos de fomento, caso em que estarão sujeitas à sua disciplina normativa.

Apesar de não ser vedada a participação de Oscips nas parcerias regidas pela Lei nº 13.019/14, essa lei vedou a possibilidade de celebração ou manutenção de termos de convênios baseados na lei anterior, posteriormente ao decurso de um ano da sua entrada em vigor. Assim, atualmente, esses instrumentos somente podem ser celebrados entre entes federados ou pessoas jurídicas a eles vinculadas, bem como com entidades filantrópicas e sem fins lucrativos em atuações na área de saúde de forma complementar ao SUS, nos termos dos artigos 84-A e 85, combinados com o artigo 3º, IV, da Lei nº 13.019/14; e do artigo 199, parágrafo 1º, da Constituição Federal.

Em caso de celebração dos instrumentos previstos pela Lei nº 13.019/14 por Oscip, a cooperação será integralmente disciplinada pelo regime jurídico dessa lei, afastando-se a incidência da Lei nº 9.790/99 e do Decreto Federal nº 3.100/99 para a formalização e a execução do ajuste. Essas duas normas permanecem aplicáveis unicamente aos termos de parceria celebrados com base na Lei nº 9.790/99.

Os municípios devem aplicar, por analogia, as disposições do Decreto Federal nº 3.100/99 aos termos de parceria regidos pela Lei nº 9.790/99, em caso de ausência de ato local que regulamente a matéria.

Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Londrina, por meio da qual questionou quais instrumentos de cooperação poderiam ser formalizados entre a administração pública e Oscips.

Instrução do processo   

Em seu parecer, a assessoria jurídica do Município de Londrina afirmou que o conceito de Organização da Sociedade Civil (OSC), expresso no artigo 2º, I, “a”, da Lei Federal nº 13.019/14, abrange as entidades qualificadas como Oscip. Assim, uma Oscip poderia celebrar, além do termo de parceria previsto na Lei Federal nº 9.790/99, os instrumentos previstos na Lei nº 13.019/14, como o termo de colaboração, o termo de fomento e o acordo de cooperação.

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR ressaltou que o Decreto nº 3.100/99 seria aplicável a qualquer ente da federação, observado o alcance de cada termo de parceria pactuado. A unidade técnica destacou que a ausência de regulamentação municipal não afasta a aplicação do princípio da simetria das normas; e que eventual regulamento municipal deve refletir o regulamento federal.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) entendeu que a Lei nº 13.019/14, ao estabelecer as normas gerais para as parcerias entre a administração pública e as OSCs, não constituiu uma nova qualificação jurídica, mas apenas definiu as entidades que poderiam ser abrangidas pelo conceito de OSC para efeito de aplicação do regime jurídico nela instituído, independentemente de qualquer requerimento ou certificação. Assim, concluiu que as entidades do terceiro setor habilitadas a pleitear a qualificação de Oscip podem também ser consideradas OSCs.

O órgão ministerial frisou que a Lei nº 9.790/99 não estabeleceu qualquer proibição à formalização de outros instrumentos pelas Oscips, o que reforça a conclusão pela possibilidade de formalização de vínculos diversos do termo de parceria.

O MPC-PR também salientou os regimes da Lei nº 9.790/99 e da Lei nº 13.019/14 estão mantidos no ordenamento jurídico brasileiro; e não há impedimento para que uma Oscip venha a firmar os instrumentos disciplinados pela Lei nº 13.019/14, caso em que estará sujeita à sua disciplina normativa.

Legislação e jurisprudência

O artigo 199 da CF/88 expressa que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada; e o seu parágrafo 1º fixa que as instituições privadas poderão participar de forma complementar do SUS, segundo suas diretrizes, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

O artigo 24 da Lei do SUS (Lei nº 8.080/90) dispõe que, quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o SUS poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada; e, em seu parágrafo único, fixa que a participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.

O artigo 1º da Lei nº 9.790/99 estabelece que podem se qualificar como Oscip as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que tenham sido constituídas e se encontrem em funcionamento regular há, no mínimo, três anos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos em lei.     

O artigo 3º A dessa lei fixa que a qualificação instituída por lei, observado em qualquer caso o princípio da universalização dos serviços no respectivo âmbito de atuação das organizações, somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das finalidades definidas em lei.

O artigo 4º da Lei nº 9.790/99 trata das disposições que devem constar nos estatutos das pessoas jurídicas interessadas em se qualificar como Oscip.

O artigo 5º dessa lei dispõe que a pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos interessada em obter a qualificação instituída por lei deverá formular requerimento escrito ao Ministério da Justiça, instruído com cópias autenticadas dos documentos requeridos.

O artigo 9º da Lei nº 9.790/99 expressa que “fica instituído o termo de parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o poder público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas em lei”.

A alínea “a” do inciso I do artigo 2º da Lei nº 13.019/14 dispõe que é considerada OSC a entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva.

O artigo 41 dessa lei estabelece que serão celebradas nos termos da Lei nº 13.019/14 as parcerias entre a administração pública e as OSCs.

Decisão

O relator do processo, conselheiro Ivens Linhares, lembrou que, apesar da semelhança na descrição das entidades passíveis de serem enquadradas em ambos os dispositivos legais, extrai-se dos termos da Lei nº 9.790/99 que o status de Oscip consiste numa qualificação jurídica outorgada pelo Ministério da Justiça, mediante requerimento, para a qual poderão se habilitar as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, desde que satisfeitas as exigências quanto às áreas de atuação e aos atos constitutivos; e cuja obtenção é requisito indispensável para a formalização dos termos de parceria com a administração pública.

Assim, Linhares entendeu que a Lei nº 9.790/99 é de menor abrangência, incidente especificamente às entidades formalmente qualificadas como Oscip, enquanto a Lei nº 13.019/14 buscou garantir um tratamento mais abrangente e igualitário às entidades do terceiro setor, dispensando a necessidade de obtenção de uma qualificação jurídica específica para sua colaboração com o poder público.

O conselheiro afirmou que o afastamento da aplicabilidade subsidiária da Lei nº 13.019/14 aos termos de parceria regidos pela Lei nº 9.790/99 teve por finalidade garantir a efetiva distinção entre ambos os regimes legais de cooperação. Ele frisou que a própria Lei nº 13.019/14, em seu artigo 41, estabeleceu que a adoção do regime nela previsto passou a ser a regra para as cooperações entre a administração pública e as entidades do terceiro setor referidas no inciso I do seu artigo 2º.

O relator também ressaltou que o Decreto nº 3.100/99 é o regulamento federal da Lei nº 9.790/99, de aplicabilidade obrigatória aos termos de parceria firmados pela União. Ele acrescentou que os estados e municípios, por força do princípio federativo que atribui autonomia política a todos os entes da federação, podem editar seus próprios atos regulamentares, desde que seja obedecida a atribuição conferida por lei ao Ministério da Justiça para a concessão do título de Oscip.

Finalmente, Linhares destacou que, em razão de ser imprescindível a regulamentação da Lei nº 9.790/99 para sua aplicação, eventual lacuna normativa deverá, necessariamente, ser suprida por meio da utilização, por analogia, do Decreto Federal nº 3.100/99.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator por maioria absoluta, na sessão ordinária nº 6/23 do Tribunal Pleno do TCE-PR, realizada em 15 de março. O Acórdão nº 424/23 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 5 de abril, na edição nº 2.955 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).

Serviço

Processo :114273/20
Acórdão nº424/23 – Tribunal Pleno
Assunto:Consulta
Entidade:Município de Londrina
Relator:Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares

Fonte: https://m.tce.pr.gov.br/noticias/noticia.aspx?codigo=10388