TCE/PR: determina anulação de contrato para operação em aterro diante de risco ambiental
Publicado em: 15/09/2025
A Prefeitura de Wenceslau Braz deverá anular todos os atos administrativos subsequentes à fase de lances da Concorrência Pública nº 3/2025, destinada à contratação de empresa especializada para a operação do aterro sanitário desse município do Norte Pioneiro do Paraná. A determinação foi emitida em 1º de setembro, via medida cautelar expedida pelo conselheiro Fernando Guimarães, relator da Representação da Lei de Licitações protocolada no Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) pela EcoUnião Gestão em Meio Ambiente Ltda., a qual apontou irregularidades nas análises da documentação apresentada pelas licitantes e tratamento diferenciado a uma das empresas.
Conforme a Representação, o município teria relevado a ausência de informações detalhadas nas planilhas de custos da empresa Brasil Reciclagens Ltda., vencedora do certame, fato capaz de comprometer a fiscalização do serviço pela administração municipal, bem como o exame, pelas concorrentes, em relação à exequibilidade da proposta. A representante apontou que não é possível, sem informações detalhadas, aferir a demonstração da formação do preço apresentado pela Brasil Reciclagens, revelando inconsistências entre seus custos e sua oferta final de preço.
Outra suposta irregularidade é a ausência de detalhamento na composição dos custos de seu item econômico denominado Benefícios e Despesas Indiretas (BDI). No item, devem constar, de forma segregada, os bônus e custos indiretos provocados pela previsão de impostos e margens de lucro da atividade, e sua formação deve ser compatibilizada com as fórmulas de cálculo fixadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Entretanto, a irregularidade apontada na Representação que motivou a concessão da medida cautelar é a falta de especialização da empresa Brasil Reciclagens na gestão de aterros sanitários, cujos documentos de capacidade técnica supostamente insuficientes foram relevados pelo Município de Wenceslau Braz, chamando a atenção do relator do processo.
As duas primeiras colocadas no certame por terem apresentado as propostas mais vantajosas, foram inabilitadas pelo município por irregularidades formais em datas de documentos e erros em índices contábeis. Com a inabilitação das duas primeiras colocadas, foi considerada vencedora a Brasil Reciclagens. “Essa disparidade no tratamento pode levar à percepção de que o município deu mais peso aos problemas de uma empresa, enquanto demonstrou mais complacência e flexibilidade para outra”, afirma um trecho da cautelar.
Suposto favorecimento
O conselheiro Fernando Guimarães destacou que as alegações de impropriedades na composição das planilhas de custos e do BDI, bem como as graves inconsistências na qualificação técnica da empresa declarada vencedora, podem efetivamente comprometer a idoneidade do certame. “Tais falhas podem resultar não apenas em uma contratação que não assegura a proposta mais vantajosa à administração pública, mas que, crucialmente, implica em riscos significativos à saúde pública e ao meio ambiente, dado o objeto sensível de operação e manutenção de aterro sanitário”, observou Guimarães.
Para o relator, causa estranheza o fato de as duas primeiras colocadas terem sido inabilitadas em decorrência de datas de balanços financeiros em desacordo com o edital e questionamentos em relação a índices econômico-financeiros, mas a vencedora, mesmo diante de demonstrada incapacidade técnica para assumir a alta complexidade de operação consistente na gestão de um aterro sanitário, foi declarada vencedora.
Ainda de acordo com o relator, os documentos de habilitação técnica apresentados pela Brasil Reciclagens demonstram que ela tem especialização em coleta, transporte, triagem e destinação final de materiais recicláveis, atividade importante, mas que não se compara à complexidade que envolve o tratamento a longo prazo de materiais altamente agressivos ao meio ambiente e cuja atividade está sujeita a normas regulamentadoras e legislação aplicável e, ainda, à rigorosa fiscalização das autoridades ambientais.
Ao fundamentar sua decisão, o conselheiro fez um paralelo entre as implicações e legislações aplicáveis, bem como profissionais especializados, para demonstrar que não há compatibilidades entre a reciclagem de materiais, mesmo com destinação final destes resíduos, e a operação de um aterro sanitário. “A experiência em ?coleta seletiva’, como a demonstrada pela empresa vencedora, não se equipara à complexidade e às exigências de ?operação de aterro sanitário’, conforme já discutido, o que corrobora a potencial inaptidão da contratada para a execução segura do serviço e, consequentemente, o risco de dano irreparável à coletividade e ao meio ambiente”, afirmou Guimarães.
Anulação
Em consequência, o relator entendeu que o contrato firmado entre o Município de Wenceslau Braz e a empresa Brasil Reciclagens é, preliminarmente, nulo. Segundo sua avaliação, ao contrário da manifestação do município, o perigo da demora em anular o contrato e substituir a empresa contratada por outra, não se configura pela interrupção do contrato em si e interrupção do serviço, o que poderia ser afastado por medidas transitórias.
“Mas sim pela continuidade da execução do serviço por uma empresa cuja capacidade técnica é questionável e cujas propostas financeiras carecem de transparência, conforme exaustivamente demonstrado nos pontos de verossimilhança anteriormente abordados. Permitir que uma empresa sem a comprovada expertise em ?operação e manutenção de aterro sanitário’ – um serviço de alta complexidade e risco, com potenciais danos ambientais e à saúde pública irreversíveis, como contaminação de solos e lençóis freáticos – persista na prestação, não só perpetua uma situação potencialmente lesiva ao erário e ao meio ambiente, mas também confere-lhe a oportunidade de obter atestados de capacidade técnica ilegítimos, valendo-se deles em futuras licitações e, assim, ampliando os efeitos prejudiciais da situação ora questionada”, escreveu o relator.
Sopesando os efeitos de sua decisão, o conselheiro determinou que, em até dez dias a partir da emissão da cautelar, o município, além de anular todos os atos da concorrência pública desde a fase de lances, anulasse o contrato com a Brasil Reciclagens, mantendo-o, mesmo nulo, até a contratação de empresa comprovadamente especializada com prazo máximo de mais dez dias. Ele concedeu, ainda, mais dez dias para a mobilização operacional da nova empresa que assumirá a gestão do aterro sanitário. “Para não prejudicar os serviços essenciais de limpeza da cidade e a saúde pública, o contrato atualmente em execução, ainda que nulo, proveniente da Concorrência Pública nº 3/2025, poderá ser mantido em caráter excepcional e emergencial por um prazo máximo e improrrogável de 20 dias, a contar da ciência desta decisão. Findo este prazo, deve ser afastada a empresa não qualificada da prestação dos serviços, devendo o município já ter concluído o refazimento do certame e a contratação regular da nova empresa”, determinou.
Segunda Representação
Uma das empresas desclassificadas na fase de habilitação, a LJC Soluções Ambientais Ltda., também ingressou com Representação da Lei de Licitações junto ao TCE-PR. O processo, por prevenção, foi distribuído ao mesmo relator.
Nesta segunda representação sobre o mesmo procedimento licitatório e acompanhada de novos elementos, desconhecidos na primeira representação, é relatado pela representante que a empresa tida como vencedora, a Brasil Reciclagens, atuou sem registro junto ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) no período compreendido de março de 2022 a junho de 2025 e que, em razão desta interrupção, dois de seus atestados de capacidade técnica apresentados durante a fase de habilitação seriam inválidos.
Ainda segundo a empresa representante, o responsável contratado pela vencedora da licitação teve seu Certificado de Acervo Técnico (CAT), que sustentaria tecnicamente os atestados de capacidade técnica, negado pelo mesmo conselho regional em agosto passado, gerando incapacidade técnico-profissional do responsável técnico contratado pela vencedora.
Também foram apresentados documentos referentes ao contrato entre o Município de Wenceslau Braz e a Ecovale Tratamento de Resíduos, que prestava o mesmo serviço até abril passado, a qual teve seu contrato rescindido pelo município, culminando na contratação emergencial da Brasil Reciclagens, em maio.
Um auto de infração aplicado pelo Instituto Água e Terra (IAT), órgão de fiscalização ambiental ligado ao Governo do Estado, contra o Município de Wenceslau Braz, justificado em razão de supostos danos ao meio ambiente em áreas laterais ao aterro sanitário, também foi apresentado pela LJC, reforçando a necessidade de intervenção do TCE-PR.
Em razão de já ter determinado a anulação da contratação em questão, o relator determinou, em despacho datado do dia 5 de setembro, o encaminhamento de pedido de informações ao IAT referentes à autuação e eventual assinatura de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o município. Ele também determinou a concessão de vista do processo ao Ministério Público Estadual, para conhecimento e adoção eventual de medidas em sua alçada de atuação.
O Município de Wenceslau Braz e seus responsáveis legais foram intimados de ambas as cautelares, para adoção das determinações e encaminhamentos adicionais, bem como para apresentarem defesa no prazo de 15 dias. Com efeito imediato, as duas decisões monocráticas do relator deverão ser submetidas à homologação do Tribunal Pleno do TCE-PR. Os efeitos das cautelares serão mantidos até o julgamento de mérito do processo, a não ser que ocorra sua revogação antes disso.
Serviço
Processos nº: | 531654/25 e 570498/25 |
Despachos nº: | 1295/25 e 1326/25 – Gabinete do Conselheiro Fernando Guimarães |
Assunto: | Representação da Lei de Licitações |
Entidade: | Município de Wenceslau Braz |
Interessados: | Brasil Reciclagens Ltda., EcoUnião Gestão em Meio Ambiente Ltda., LJC Soluções Ambientais Ltda. e Luiz Carlos Vidal |
Relator: | Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães |
Autor: Diretoria de Comunicação Social