Publicado em: 21/01/2025.

Um município pode, dentro da sua esfera de competência, normatizar a segregação de funções no processo licitatório. Essa regulação deve ser, preferencialmente, realizada por meio de decreto, com observância aos limites constitucionais, às diretrizes gerais traçadas pela Lei nº 14.133/21 (Lei de Licitações e Contratos) e às normas federais; e em respeito aos princípios constitucionais da administração pública.

Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pelo Município de Ponta Grossa, por meio da qual questionou se lei municipal poderia delimitar os critérios para segregação de funções nas fases interna e externa da licitação.

Instrução do processo

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que não há impedimento para que o município delimite critérios para a segregação de funções em licitação. No entanto, ressaltou que é necessária a regulamentação pela autoridade máxima do órgão; e recomendou que a definição do princípio da segregação de funções seja feita por meio de normativas locais, facilitando a adaptação às peculiaridades do município.

A unidade técnica ressaltou que lei municipal pode estabelecer critérios para a segregação de funções, desde que a gestão e a designação de agentes públicos sejam devidamente normatizadas pela autoridade competente.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou, em seu parecer, com a instrução da CGM; e destacou que a legislação federal permite aos municípios normatizarem aspectos específicos das licitações, respeitando suas particularidades locais.

O órgão ministerial ressaltou que é possível que norma municipal defina critérios de segregação de funções; e recomendou que essa regulamentação ocorra por meio de decreto, em razão da sua flexibilidade e adaptabilidade às necessidades operacionais da administração pública.

Finalmente, o MPC-PR enfatizou que o princípio da segregação de funções é essencial para garantir a transparência e a eficiência nas contratações públicas, prevenindo fraudes e conflitos de interesse.

Legislação

O inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal (CF/88) dispõe que compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, estados, Distrito Federal e municípios, obedecido o disposto no artigo 37, inciso XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do artigo 173, parágrafo 1°, inciso III.

O inciso XI do artigo 24 da CF/88 estabelece que compete à União, aos estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre procedimentos em matéria processual. O parágrafo 1º desse artigo fixa que, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais; e o parágrafo 2º, que a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos estados.

O inciso II do artigo 30 do texto constitucional expressa que compete aos municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

O inciso XXI do artigo 37 da CF/88 estabelece que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. 

O inciso III do parágrafo 1º do artigo 173 do texto constitucional dispõe que a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública.

O artigo 5º da Lei nº 14.133/21 fixa que, na aplicação dessa lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

O artigo 7º da Lei de Licitações expressa que caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução dessa lei.

Esse artigo especifica que esse agente público deve ser, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da administração; e ter atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuir formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público. Além disso, fixa que ele não pode ser cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da administração, nem ter com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.

O parágrafo 1º do artigo 7º da Lei nº 14.133/21 dispõe que a autoridade referida no artigo deverá observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.

Decisão

O relator do processo, conselheiro Fabio Camargo, acompanhou o posicionamento da CGM e do MPC-PR como razão de decidir. Ele lembrou que o princípio da segregação de funções está previsto nos artigos 5º e 7º da Lei 14.133/21.

Camargo ressaltou que que o princípio da segregação de funções é uma prática fundamental na governança corporativa e na gestão de riscos, especialmente em ambientes que demandam controles internos rigorosos. Esse princípio consiste na distribuição de responsabilidades e funções entre diferentes indivíduos ou departamentos dentro de uma organização, com o objetivo de prevenir fraudes e erros, aumentar a eficiência operacional e facilitar o controle e monitoramento das atividades.

O conselheiro destacou que, no âmbito das licitações, esse princípio também garante a correta execução das normas legais. Ele frisou que a aplicação da segregação de funções implica a distribuição de responsabilidades entre diferentes agentes públicos, de modo que nenhuma pessoa tenha controle absoluto sobre todas as etapas do processo; e que isso é essencial para evitar conflitos de interesse, garantir a imparcialidade e assegurar que as decisões sejam tomadas com base em critérios objetivos.

O relator explicou que a segregação de funções significa atribuir a pessoas diferentes as responsabilidades de autorização, aprovação, controle e demais atividades relacionadas ao processo licitatório, objetivando reduzir oportunidades que permitam o cometimento e ocultação de erros e fraudes nas contratações públicas.

Camargo frisou que não há impedimento para que a legislação municipal estabeleça critérios para a segregação de funções em diferentes fases da licitação, tanto interna quanto externa, considerando que existe um respaldo constitucional que permite aos municípios legislarem sobre normas específicas de licitações e contratos administrativos, de acordo com suas particularidades

De qualquer maneira, o conselheiro enfatizou que é necessário que o tratamento e a definição da observância do princípio da segregação de funções sejam realizados conforme estabelecido na Lei de Licitações, por meio de normativas elaboradas pela autoridade máxima do órgão ou entidade.

Quanto ao meio de utilização para regulamentar a segregação de funções no âmbito da licitação, o relator destacou que é apropriada a publicação de decreto, e não lei municipal. Ele explicou que a regulamentação é instrumento de natureza administrativa, que tem como objetivo assegurar a fiel execução das leis, detalhando os mecanismos e procedimentos que possibilitam a aplicação prática das normas, sem modificar ou violar o conteúdo legal.

Finalmente, Camargo lembrou que a União e o Município de Curitiba regulamentaram a matéria objeto da Consulta por meio de decreto, para garantir a integridade da legislação que trata sobre os processos licitatórios.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, por meio da Sessão de Plenário Virtual nº 22/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 21 de novembro. O Acórdão nº 3889/24 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 28 de novembro passado, na edição nº edição nº 3.345 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). A decisão transitou em julgado em 9 de dezembro.

Serviço

Processo :12004/24
Acórdão nº3889/24 – Tribunal Pleno
Assunto:Consulta
Entidade:Município de Ponta Grossa
Relator:Conselheiro Fabio de Souza Camargo

Autor: Diretoria de Comunicação Social

Fonte: https://www1.tce.pr.gov.br/noticias/consulta-municipio-pode-normatizar-segregacao-de-funcoes-em-processos-licitatorios/11969/N