TCE/PR reforça que taxa negativa em licitação de auxílio-alimentação é possível
Publicado em: 26/11/2024.
A vedação à aceitação de taxas de administração negativas em licitações para a contratação de pessoas jurídicas para o gerenciamento e fornecimento de auxílio-alimentação por meio de cartões ou instrumentos congêneres – artigo 3°, incisos I e III, da Lei n° 14.442/22 – aplica-se apenas aos órgãos e entidades da administração pública cujo quadro de pessoal seja formado por empregados públicos, submetidos ao regime celetista, conforme o entendimento fixado pelo Prejulgado nº 34 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR).
Portanto, aos demais entes da administração pública que concedem o auxílio-alimentação ou benefício de nomenclatura similar com base em previsão estatutária, não se aplica a restrição do artigo 3°, incisos I e III, da Lei n° 14.442/22, admitindo-se a taxa de administração negativa nas respectivas licitações para este objeto.
A expressão “natureza pré-paga”, contida no artigo 3º, inciso II, da Lei n° 14.442/22, refere-se à necessidade de disponibilização do benefício aos empregados de forma antecipada ao labor; ou seja, o carregamento dos cartões pelas empresas administradoras, com a disponibilização do valor referente ao auxílio-alimentação, deve ocorrer previamente ao mês trabalhado, de modo a garantir o caráter pré-pago do benefício, em prol dos trabalhadores.
Além disso, o dispositivo deve ser interpretado em consonância com as normas de direito financeiro que tratam da necessária observância, pela administração pública, dos estágios de realização da despesa pública, correspondentes a empenho, liquidação e pagamento, sendo a antecipação de pagamento admitida apenas em situações excepcionais.
Assim, o repasse de valores pelas entidades da administração pública à empresa intermediadora dos benefícios de auxílio-alimentação deve ocorrer, em regra, apenas após a disponibilização dos créditos aos trabalhadores e a apresentação da respectiva documentação comprobatória.
Essa é a orientação do Pleno do TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pelo Consórcio Público Intermunicipal de Gestão da Amusep (Associação dos Municípios do Setentrião Paranaense), por meio da qual questionou sobre licitações para contratação de empresa de administração e fornecimento de benefício de vale-alimentação.
Instrução do processo
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que, por meio do Prejulgado nº 34, o Tribunal fixou o entendimento de que a proibição estabelecida no artigo 3°, I e III, da Lei nº 14.442/22 aplica-se apenas aos órgãos e entidades da administração pública cujo quadro de pessoal seja formado por empregados públicos, submetidos ao regime celetista, ficando vedada, por conseguinte, nesses casos, a aceitação de taxas de administração negativas em licitações para a contratação de pessoas jurídicas para o gerenciamento e fornecimento de auxílio-alimentação por meio de cartões ou instrumentos congêneres.
A unidade técnica ressaltou que a leitura do artigo 3º da Lei nº 14.442/22 demonstra que a norma visa esclarecer a respeito de direito previsto na legislação trabalhista em prol dos empregados
A CGM destacou que não há necessidade de o Tribunal formalmente vedar o pagamento antecipado para as empresas contratadas, bastando o cumprimento das normas referentes às despesas públicas.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou, em seu parecer, com a instrução da CGM. Inclusive, no seu parecer no processo referente ao Prejulgado nº 34, o órgão ministerial lembrara que a Lei n° 14.442/22 é dirigida, expressamente, aos empregadores que disponibilizam aos empregados valores a título de auxílio-alimentação, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Assim, defendera que sua incidência estaria limitada, no âmbito do poder público, às entidades da administração pública que tenham, em seu quadro de pessoal, empregados públicos submetidos à CLT.
O órgão ministerial ressaltara naquele processo que não há embasamento legal para justificar a aplicação da restrição do artigo 3º, I, da Lei n° 14.442/22 ao pagamento do auxílio-alimentação, ou benefício de nomenclatura similar, de previsão estatutária. Além disso, destacara que, nesse caso, a vedação à taxa negativa violaria o objetivo legal da licitação de busca da proposta mais vantajosa à administração pública.
Legislação, jurisprudência e doutrina
O artigo 2º da Lei nº 14.442/22 dispõe que os valores pagos pelo empregador a título de auxílio-alimentação de que trata o parágrafo 2º do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deverão ser utilizados para o pagamento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares ou para a aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais.
O inciso I do artigo 3º da Lei n° 14.442/22 estabelece que o empregador, ao contratar pessoa jurídica para o fornecimento do auxílio-alimentação de que trata o artigo 2º dessa lei, não poderá exigir ou receber qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado.
O inciso III do artigo 3º da Lei n° 14.442/22 fixa que o empregador também não poderá exigir outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do empregado, no âmbito de contratos firmados com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação.
O artigo 60 da Lei Federal nº 4.320/64 (Lei da Contabilidade Pública) dispõe que é vedada a realização de despesa sem prévio empenho. O artigo seguinte (61) estabelece que para cada empenho será extraído um documento denominado “nota de empenho” que indicará o nome do credor, a especificação e a importância da despesa, bem como a dedução desta do saldo da dotação própria.
O artigo 62 da Lei da Contabilidade Pública fixa que pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação. O artigo seguinte (63) expressa que a liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
O artigo 64 da Lei Federal nº 4.320/64 dispõe que a ordem de pagamento é o despacho emitido por autoridade competente, determinando que a despesa seja paga.
O parágrafo 1º do artigo da Lei 14.133/21 (Lei de Licitações) estabelece que a antecipação de pagamento somente será permitida se propiciar sensível economia de recursos ou se representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço, hipótese que deverá ser previamente justificada no processo licitatório e expressamente prevista no edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta.
O artigo 175 da Lei n° 6.321/76, que regulamenta o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), fixa que as pessoas jurídicas beneficiárias, no âmbito do contrato firmado com fornecedoras de alimentação ou facilitadora de aquisição de refeições ou gêneros alimentícios, não poderão exigir ou receber qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado, prazos de repasse que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos trabalhadores, ou outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do trabalhador.
O Prejulgado nº 34 (Acórdão n° 1053/24 – Tribunal Pleno) do TCE-PR consolidou o entendimento de que a proibição estabelecida no artigo 3°, incisos I e III, da Lei n° 14.442/22 aplica-se apenas aos órgãos e entidades da administração pública cujo quadro de pessoal seja formado por empregados públicos, submetidos ao regime celetista.
Esse prejulgado dispõe que, especificamente para esses órgãos e entidades, é vedada a aceitação de taxas de administração negativas em licitações para a contratação de pessoas jurídicas para o gerenciamento e fornecimento de auxílio-alimentação por meio de cartões ou instrumentos congêneres.
De acordo com o Prejulgado 34, para os demais entes da administração pública, que concedem o auxílio-alimentação ou benefício de nomenclatura similar com base em previsão estatutária, não se aplica a restrição disposta no artigo 3°, I e III, da Lei n° 14.442/22, admitindo-se a taxa de administração negativa nas respectivas licitações para este objeto.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Ivens Linhares, acompanhou o posicionamento da CGM e do MPC-PR como razão de decidir. Ele lembrou que o TCE-PR, até a edição da Lei n° 14.442/22, tinha jurisprudência consolidada no sentido de admitir a adoção de taxas negativas de administração em licitações para a contratação de pessoas jurídicas administradoras de benefício de auxílio-alimentação.
No entanto, Linhares ressaltou que surgiram interpretações divergentes sobre o tema com a entrada em vigor dessa lei, que proibiu expressamente ao empregador, ao contratar pessoa jurídica para o fornecimento do auxílio-alimentação previsto na CLT, exigir ou receber qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado. Assim, ele frisou que, com o intuito de uniformizar e atualizar a jurisprudência do TCE-PR, foi instaurado o Prejulgado n° 34 para tratar da matéria.
O conselheiro destacou que, atualmente, o Tribunal tem posição sedimentada no sentido de que, para as entidades da administração cujo quadro de pessoal seja formado por empregados públicos, submetidos à disciplina normativa da CLT, fica vedada a aceitação da taxa de administração negativa nos processos licitatórios para a contratação de pessoas jurídicas administradoras de benefício de auxílio-alimentação. Mas ele frisou que a proibição não incide no caso de licitação para fornecimento de auxílio-alimentação ou benefício de nomenclatura similar a servidores estatutários.
O relator lembrou que a disposição contida no artigo 3º, II, da Lei n° 14.442/22 não é inédita no ordenamento jurídico, pois já era prevista também, de forma similar, no Decreto n° 10.854/21, que regulamenta o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), instituído pela Lei n° 6.321/76.
Linhares salientou que a expressão “natureza pré-paga”, contida tanto no artigo 175 do Decreto n° 10.854/21 quanto no artigo 3°, II, da Lei n° 14.442/22, refere-se à disponibilização do benefício aos empregados de forma antecipada ao labor; ou seja, o carregamento dos cartões pelas empresas intermediadoras, com a disponibilização do valor referente ao auxílio-alimentação, deve ocorrer previamente ao mês trabalhado, de modo a garantir o caráter pré-pago do benefício, em prol dos trabalhadores.
O conselheiro explicou que a administração pública deve observar os estágios de realização da despesa pública previstos nos artigos 60 a 64 da Lei n° 4.320/64, correspondentes a empenho, liquidação e pagamento, de modo que a efetiva contraprestação financeira deve ocorrer somente após a comprovação da prestação do serviço.
Assim, o relator alertou que, por tratar-se de recursos públicos, o repasse de valores pela administração à empresa intermediadora dos benefícios de auxílio-alimentação deve ocorrer, em regra, apenas após a disponibilização dos créditos aos trabalhadores e a apresentação da documentação comprobatória.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, por meio da Sessão de Plenário Virtual nº 19/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 10 de outubro. O Acórdão nº 3337/24 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 18 de outubro, na edição nº 3.319 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 30 de outubro.
Serviço
Processo nº: | 609796/23 |
Acórdão nº | 3337/24 – Tribunal Pleno |
Assunto: | Consulta |
Entidade: | Consórcio Público Intermunicipal de Gestão da Amusep |
Relator: | Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares |