Publicado em: 16/09/2025

A regra é a aplicação das disposições do inciso IV do artigo 14 da Lei nº 14.133/21 (Lei de Licitações), que veda a disputa em licitação ou participação na execução de contrato, direta ou indiretamente, daquele que mantenha vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou que deles seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau.

Essa regra somente pode ser afastada em hipóteses excepcionais nas quais se verifique que a contratação do licitante sujeito a essa causa de impedimento é a única alternativa capaz de atender ao objeto licitado, face as dificuldades enfrentadas no caso concreto.

Para tanto, deve ser comprovada no processo de contratação a situação de excepcionalidade e demonstrada a compatibilidade dos preços contratados com aqueles praticados no mercado; e devem ser adotadas salvaguardas adicionais pelo controle interno, a fim de garantir a lisura da contratação e da execução contratual.

A definição precisa de quais pessoas podem ser enquadradas como “dirigente de órgão ou entidade contratante” dependerá, necessariamente, do exame da legislação local responsável por dispor a respeito da estrutura administrativa a ser observada pelo órgão ou entidade contratante, considerando-se, também, o poder de influência do servidor sobre o resultado do certame ou a execução do contrato.

Desse modo, a vedação contida no artigo 14, inciso IV, da Lei nº 14.133/21 deve ser estendida aos demais componentes da linha hierárquica do “dirigente” na estrutura estatal, em razão do poder de influência que o superior hierárquico pode exercer sobre a disputa do certame ou a execução do contrato.

Os ordenadores de despesas também devem obediência à regra contida no artigo 14, inciso IV, da Lei nº 14.133/21, seja por atuarem na condição de dirigente do órgão ou entidade contratante, caso tenham poder de direção, ou por atuarem na condição de agente público que desempenha função no procedimento licitatório ou na gestão do contrato.

A opção pela realização de licitações separadas ou conjuntas pertence ao juízo discricionário do administrador público, não competindo ao Tribunal de Contas entrar ao mérito do ato administrativo.

No caso da opção pela realização de licitações separadamente, por diferentes órgãos que não possuem hierarquia entre si na estrutura municipal, não há incidência do impedimento legal, pois é inexistente o poder de influência ou interferência de um órgão sobre os processos licitatórios realizados pelo outro.

No caso da realização de licitações conjuntamente, por diferentes órgãos da estrutura municipal, haverá incidência do impedimento legal, tendo em vista a capacidade de influência ou interferência sobre o processo licitatório de todos os órgãos participantes.

Esta é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de São Jerônimo da Serra (Região do Norte Pioneiro), por meio da qual questionou como deveriam ser interpretadas as disposições do inciso IV do artigo 14 da Lei nº 14.133/21 em municípios de pequeno índice populacional, que na sua grande maioria possuem empresas com vínculo de parentesco até o terceiro grau com o gestor ou dirigentes de órgãos públicos.

Instrução do processo

A então Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que a vedação questionada pode ser afastada somente em hipóteses excepcionais, nas quais se verifique que a contratação do licitante sujeito à causa de impedimento em exame é a única alternativa capaz de atender ao objeto licitado, desde que sejam respeitadas as premissas listadas na resposta do TCE-PR à Consulta e que sejam adotadas, gradativamente e dentro do possível, medidas voltadas a atrair potenciais competidores em certames futuros, de modo a restabelecer a plena observância da vedação legal.

A CGM ressaltou que a prerrogativa de decidir os rumos do processo licitatório é inerente ao poder de direção do dirigente e, portanto, a vedação é justificada em razão do risco de interferência nas condições de isonomia, competitividade e probidade do certame; e que cada lei de regência define quais são os agentes públicos responsáveis por ocupar posições de direção dentro da estrutura estatal.

A unidade técnica entendeu que a definição de quais pessoas devem ser enquadradas como “dirigentes de órgão ou entidade contratante” dependerá da análise da legislação local responsável por estabelecer a estrutura administrativa do ente público. Além disso, destacou que a prática de atos específicos no processo licitatório não revela necessariamente a condição de dirigente; e, em regra, os ordenadores de despesa ocupam posições de direção, devendo ser examinados quais foram os poderes que lhe foram conferidos pelos comandos normativos locais.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou, em seu parecer, com a instrução da CGM; e destacou que devem ser considerados como “dirigentes de órgão” aqueles que “possuam poderes de representação do órgão ou entidade”, assim como os demais agentes designados para o exercício de gerências, coordenadorias e chefias, considerando-se, ainda, na análise do caso prático, o poder de influência do servidor sobre o resultado do certame.

O MPC-PR apresentou entendimento idêntico ao da CGM em relação ao ordenador de despesas, que deve estar incluído entre os agentes abrangidos pela vedação, já que sua atuação técnica e gerencial é suficiente para atrair a vedação contida no inciso IV do artigo 14 da Lei nº 14.133/21.

Finalmente, o órgão ministerial salientou que, na análise de cada caso concreto, deverá ser considerado o poder de influência do servidor sobre o resultado do certame, assim como a possibilidade da ocorrência de conflito de interesses que possam vir a comprometer a imparcialidade e a integridade do processo licitatório.

Legislação e jurisprudência

O inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal (CF/88) dispõe que compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, obedecido o disposto no artigo 37, inciso XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do artigo 173, parágrafo 1°, inciso III.

O inciso II do artigo 30 do texto constitucional expressa que compete aos municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

O inciso XXI do artigo 37 da CF/88 estabelece que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. 

O artigo 5º da Lei nº 14.133/21 fixa que, na aplicação dessa lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

O artigo 7º da Lei de Licitações expressa que caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução dessa lei.

Esse artigo especifica que esse agente público deve ser, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da administração; e ter atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuir formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público. Além disso, fixa que ele não pode ser cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da administração, nem ter com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.

O parágrafo 1º do artigo 7º da Lei nº 14.133/21 dispõe que a autoridade referida no artigo deverá observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.

O inciso IV do artigo 14 Lei de Licitações estabelece que não poderá disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente, aquele que mantenha vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou que deles seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação.

O artigo 181 da Lei nº 14.133/21 fixa que os entes federativos instituirão centrais de compras, com o objetivo de realizar compras em grande escala para atender a diversos órgãos e entidades sob sua competência e atingir as finalidades desta Lei

O parágrafo 1º do artigo 80 do Decreto-lei nº 200/67 define como “ordenador de despesas” toda e qualquer autoridade de cujos atos resultarem emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos da União ou pela qual ela responda.

O Acórdão nº 2787/22 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 56355/22) dispõe que é possível a contratação de fornecimento de combustível, por inexigibilidade de licitação, de empresa que seja a única fornecedora instalada no município, mesmo que seu sócio seja agente político municipal. Para tanto, no processo de contratação deve ser comprovado que o preço é o praticado pelo mercado.

Além disso, deve ser demonstrado por meio documental, inclusive com memória de cálculos, a superioridade dos custos com o abastecimento em outra localidade; e a inviabilidade de formas alternativas de abastecimento dos veículos e maquinários do município em cidades limítrofes.

Outro requisito para essa contratação é que a unidade de Controle Interno do município adote salvaguardas adicionais para garantir a economicidade, a regularidade e a transparência na fase de execução contratual.

O Acórdão nº 2145/21 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 425856/20) estabelece que empresa que tenha como sócio cônjuge, companheiro, ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade até o terceiro grau, de integrante do Controle Interno de entidade licitante não pode participar da licitação promovida pelo órgão em que o parente é controlador, nem pode ser contratada pela entidade controlada.

O Acórdão nº 2290/19 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 839610/17) fixa que também é vedada a participação de empresa que tenha vínculo com dirigente ou servidor integrante da unidade responsável pela licitação, ou com qualquer servidor que, de acordo com a autoridade administrativa competente, tenha poder de influência sobre o certame.

Essas vedações incidem sobre servidores públicos efetivos, temporários ou comissionados; e aplicam-se também na hipótese de contratação direta, inclusive nos processos de credenciamento mediante inexigibilidade de licitação.

A proibição incide mesmo quando o servidor do órgão ou entidade contratante figurar como mero sócio cotista, sem poderes de administração, e ainda que não seja responsável pela prestação direta do serviço; e na hipótese em que o servidor seja responsável pela prestação do serviço contratado, mesmo sem constar no quadro societário da empresa contratada.

O Acórdão nº 2146/18 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 112974/17) expressa que um município pode contratar o único hospital instalado em seu território por meio de inexigibilidade de licitação, para a prestação de serviços de urgência e emergência à população local, mesmo que o vice-prefeito seja o proprietário da instituição. 

Decisão

O relator do processo, conselheiro Durval Amaral, acompanhou o posicionamento da CGM e do MPC-PR como razão de decidir. Ele lembrou que o TCE-PR reconhece que muitos municípios paranaenses apresentam quantitativo populacional reduzido, o que pode dificultar o cumprimento do disposto no inciso IV do artigo 14 da Lei nº 14.133/21.

No entanto, o conselheiro relatou que o artigo questionado é explícito quanto à vedação na participação da licitação ou execução do contrato, sem fazer qualquer ressalva para os casos de municípios com população reduzida. Ele frisou que o inciso IV desse artigo é cristalino quanto à impossibilidade de que aquele que mantenha vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou que deles seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, dispute a licitação ou participe da execução do contrato.

O relator explicou que essa norma busca garantir a isonomia entre os participantes da licitação, como o objetivo de inibir eventuais situações de favorecimentos provocados em virtude de relações e vínculos existentes entre os agentes públicos envolvidos no processo de contratação e os participantes do certame ou execução do contrato.

Assim, Amaral entendeu que, mesmo no caso de municípios com pequena densidade populacional, o dispositivo legal tem que ser aplicado, na medida em que visa evitar possíveis conflitos de interesses e o nepotismo nas contratações, bem como garantir o cumprimento dos princípios da moralidade, impessoalidade e probidade administrativa.

Contudo, o conselheiro ressaltou que, em hipóteses comprovadamente excepcionais, a vedação contida no inciso IV do artigo 14 da Lei nº 14.133/21 pode ser contornada, cabendo ao órgão licitante demonstrar no processo licitatório que o participante sujeito ao impedimento legal é a única alternativa viável ao atendimento do objeto licitado.

Além disso, o relator confirmou que, para garantir o cumprimento dos princípios da impessoalidade, competitividade e moralidade administrativa, deve ser demonstrado que o preço contratado é compatível com aquele praticado no mercado e que o Controle Interno da entidade adotará medidas para garantir a economicidade, a regularidade e a transparência durante a fase de execução contratual.

Amaral enfatizou que outro ponto relevante se refere à obrigatoriedade de que conste expressamente no edital de licitação a vedação constante do inciso IV do artigo 14 da Lei de Licitações, na medida em que o impedimento é dirigido ao interessado em participar da licitação, o qual deve estar ciente da proibição, não havendo fundamento para defender que haveria margem de discricionariedade do gestor para deixar de incluir a citada proibição no edital.

O conselheiro também esclareceu que, diferentemente dos conceitos de “agente público” e “autoridade”, o conceito de “dirigente de órgão” não foi estabelecido na Lei nº 14.133/21, o que pode causar dúvidas quanto à sua definição e alcance. Ele concluiu que o conceito de “dirigente” deve estar ligado àquele que possui poderes de decidir, conduzir, administrar e dirigir o órgão ou entidade.

Aprofundando essa questão, o relator salientou que, no caso específico do inciso IV do artigo 14 da Lei de Licitações, o conceito de dirigente do órgão deve abarcar aquele que tem o poder de decidir ou influenciar nas decisões do órgão ou entidade contratante em relação à disputa da licitação ou à execução do contrato. Desse modo, ele advertiu que não deve ser esquecida a possibilidade de o poder decisório ser derivado da delegação de competência, ampliando o entendimento de quem atua como dirigente para fins do disposto no artigo questionado.

Amaral explicou que o conceito de “ordenador de despesa” pode ser encontrado no artigo 80, parágrafo 1º, do Decreto-Lei nº 200/67. Ele citou que os ordenadores de despesas ocupam posição de direção no órgão ou entidade, mas o fato de atuar como ordenador de despesa, não impõe, necessariamente, a condição de “dirigente de órgão”; e que o fato de assinarem o termo de referência e participarem do processo de pagamento, liquidação, acompanhamento e fiscalização dos contratos não implica, necessariamente, a condição de “dirigente”.

De qualquer forma, o conselheiro entendeu que os ordenadores de despesas não estão imunes à regra contida no inciso IV do artigo 14 da Lei de Licitações, pois o impedimento aplica-se tanto ao “dirigente do órgão ou entidade contratante” quanto ao “agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato”, como é o caso do ordenador de despesas.

O relator afirmou, ainda, que, caso a licitação seja realizada em separado, a vedação recairá somente sobre a perspectiva dos dirigentes do órgão ou entidade responsável pelo procedimento, ou dos agentes que desempenhem função no processo, devendo ser estendida apenas aos órgãos ou entidades que possuem vinculação hierárquica entre si.

Finalmente, Amaral ressaltou que, caso a licitação seja realizada em conjunto entre diversos órgãos ou secretarias municipais, o impedimento derivado do inciso IV do artigo 14 da Lei de Licitações estende-se a todos os dirigentes dos órgãos ou secretarias envolvidos no processo licitatório, em razão da capacidade de influência de cada um deles sobre o resultado do certame.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão Ordinária de Plenário Virtual nº 15/25 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 14 de agosto. O Acórdão nº 2172/25 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 27 de agosto, na edição nº 3.514 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC)O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 5 de setembro.

Serviço

Processo :854085/24
Acórdão nº2172/25 – Tribunal Pleno
Assunto:Consulta
Entidade:Município de São Jerônimo da Serra
Relator:Conselheiro José Durval Mattos do Amaral

Autor: Diretoria de Comunicação Social

Fonte: https://www1.tce.pr.gov.br/noticias/quem-tem-vinculo-com-orgao-licitante-pode-disputar-certame-em-hipoteses-excepcionais/12451/N