Consulta: Restrição geográfica em licitação deve ser medida de caráter excepcional
Publicado em: 11/08/2025
A previsão de cláusula de limitação geográfica em licitação deve ser utilizada como medida excepcional, em observância ao disposto no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal e na Lei nº 14.133/21 (Lei de Licitações e Contratos); e deve ser devidamente justificada na fase de planejamento da contratação, observadas as normativas e políticas sanitárias. Essa restrição somente será possível nas situações em que o objeto a ser contratado exija a delimitação territorial, como uma clínica de raio-x, por exemplo.
Não é possível o edital de licitação ou de credenciamento exigir que os licitantes possuam clínica ou estabelecimento de saúde instalado no município para participar do certame. O edital somente pode exigir a efetiva instalação de clínicas ou estabelecimentos como requisito para assinatura dos contratos, em observância ao princípio da competitividade, no caso de adoção da licitação, e ao princípio da igualdade, no caso de adoção do credenciamento.
A harmonização desses princípios com o princípio da contratação mais vantajosa, visando a efetivação do interesse público primário de prestação de serviços de saúde à população, leva à exigência de instalação de clínicas na localidade visada pelo edital no momento da assinatura do contrato, bem como o estabelecimento com tempo suficiente para os futuros contratados providenciarem as instalações da clínica e iniciarem a execução dos serviços, observado sempre o interesse público primário de prestação dos serviços de saúde; como, por exemplo, no caso de serviços de raio-x.
Esta é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Pinhalão (Região do Norte Pioneiro), por meio da qual questionou se um ente público poderia, com a finalidade de reduzir gastos, realizar a inclusão, em edital de credenciamento ou de licitação, de cláusula que exija que empresa licitante ou credenciada tenha clínica instalada no município para poder ser contratada.
Instrução do processo
A então Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) afirmou que não é possível o edital de licitação ou de credenciamento exigir que os licitantes possuam clínica ou estabelecimento instalado no município. A unidade técnica destacou que o edital somente pode exigir a efetiva instalação de clínicas ou estabelecimentos para realização dos exames como requisito para assinatura dos contratos, e não para a participação na licitação, uma vez que os particulares não podem ser compelidos a incorrer em custos somente para participar do certame, o que acaba por restringir a competição indevidamente, nos termos da Súmula nº 272 do Tribunal de Contas da União (TCU).
A CGM acrescentou que é possível a realização de licitação com clausula de restrição geográfica, desde que tal restrição seja relevante ou pertinente para o objeto específico do contrato e sejam apresentadas as devidas justificativas, realizadas por meio de estudos e pesquisas na fase preparatória da licitação, visando adequar o princípio da competitividade com o princípio da contratação mais vantajosa para a administração, tendo em vista se tratar de medida excepcional na realização de licitações.
Finalmente, a unidade técnica destacou que essa exigência somente pode ser feita em relação ao licitante vencedor, devendo o edital fixar prazo suficiente de mobilização para início da instalação e execução dos serviços a serem prestados.
O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) concordou com a CGM; e ressaltou que é possível ao edital de licitação ou de credenciamento cujo objeto seja a prestação de serviços na área da saúde exigir que os licitantes possuam estabelecimento instalado no município ou na respectiva região de saúde, assim como estabeleçam como condição de participação no certame a exigência de alvará sanitário, enquanto pressuposto de habilitação técnica, apresentadas as devidas justificativas na fase preparatória da licitação que demonstrem a pertinência da exigência com o objeto licitado.
Legislação, jurisprudência e doutrina
O inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal dispõe que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, a qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
O artigo 5º da Lei nº 14.133/21 (a nova Lei de Licitações e Contratos) estabelece que, na aplicação dessa lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB).
O inciso I do artigo 9º da Lei de Licitações e Contratos fixa que é vedado ao agente público designado para atuar na área de licitações e contratos, ressalvados os casos previstos em lei, admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos que praticar, situações que comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do processo licitatório, inclusive nos casos de participação de sociedades cooperativas; estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou do domicílio dos licitantes; e sejam impertinentes ou irrelevantes para o objeto específico do contrato.
Os incisos I e II do artigo 79 da Lei nº 14.133/21 dispõem que o credenciamento poderá ser usado nas hipóteses de contratação paralela e não excludente, caso em que é viável e vantajosa para a administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas; e com seleção a critério de terceiros, caso em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação.
O inciso I do parágrafo único desse artigo estabelece que a administração deverá divulgar e manter à disposição do público, em site eletrônico oficial, edital de chamamento de interessados, de modo a permitir o cadastramento permanente de novos interessados.
A Súmula nº 272 do TCU expressa que “no edital de licitação, é vedada a inclusão de exigências de habilitação e de requisitos de pontuação técnica para cujo atendimento os licitantes tenham de incorrer em custos que não sejam necessários anteriormente à celebração do contrato”.
O doutrinador Joel de Menezes Niebuhr afirmou, em sua obra Licitação Pública e Contrato Administrativo (2022), que o princípio da competitividade goza de estatura constitucional, porque seu conteúdo normativo foi respaldado na parte final do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, cujo teor prescreve, ao legislador, que em licitação “somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Fernando Guimarães, acompanhou os posicionamentos da CGM e do MPC-PR como razão de decidir. Ele explicou que as contratações que estabeleçam restrições à competitividade são permitidas pela Constituição Federal e pela Lei 14.133/21, desde que essa restrição seja relevante ou pertinente para o objeto específico do contrato e sejam apresentadas as devidas justificativas, embasadas em estudos e pesquisas realizados na fase preparatória da licitação.
Guimarães ressaltou que é preciso adequar o princípio da competitividade com o princípio da contratação mais vantajosa para a administração, por tratar-se de medida excepcional na realização de licitações.
Especificamente para as hipóteses que envolvem contratação de serviços destinados a atender o Sistema Público de Saúde (SUS), o conselheiro frisou que é importante que o ente contratante, ao estabelecer a cláusula restritiva à competitividade, leve em consideração, na fase de planejamento da contratação, as normas e políticas públicas do SUS a que esteja vinculado o objeto do contrato, inclusive as normas sanitárias de instalação e execução dos serviços de saúde.
Assim, o relator afirmou que não é possível, em licitação, exigir como condição de participação que os licitantes tenham clínica instalada no município contratante. Mas ele alertou que isso não significa dizer que o ente público, ao contratar serviços de saúde, não deva se preocupar com a efetividade na prestação desses serviços e se oriente por ela ao estruturar edital de licitação.
Guimarães lembrou que a administração, ao planejar suas contratações, tem o poder-dever de exigir os requisitos considerados indispensáveis à boa e regular execução do objeto que será responsabilidade da futura contratada, por meio de definição de parâmetros pelo qual o serviço será prestado.
O conselheiro também salientou que a Constituição Federal, ao disciplinar as licitações e contratações públicas, observa que a lei somente exigirá as qualificações técnicas e econômicas indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. O objetivo do texto constitucional é ampliar a competitividade, impedindo que o legislador erga barreiras despropositadas à participação no certame de interessados capazes de satisfazer as demandas da administração pública.
O relator enfatizou que a satisfação do interesse público primário visado pela contratação a ser realizada deve prevalecer sobre os demais princípios que norteiam as contratações públicas na elaboração do edital, desde que ocorra de modo propositado, necessário e suficiente – proporcional – ao mesmo interesse público, sem que com isso prejudique ou suprima a ampla concorrência.
Portanto, Guimarães explicou que a adoção do aspecto geográfico ou mesmo domicílio como hipótese à restrição à competitividade deve guardar relação necessária com aspectos técnicos e econômicos do objeto a ser contratado, a fim de que se evite contratações desastrosas, e sua adoção no certame deve estar harmonizada com o princípio da ampla concorrência.
Assim, o conselheiro concluiu que a previsão de cláusula de limitação geográfica deve ser utilizada como medida excepcional, somente nas situações em que o objeto licitado exija a delimitação territorial.
O relator acrescentou que o edital somente pode exigir a efetiva instalação de clínicas ou estabelecimentos para a realização dos exames como requisito para a assinatura dos contratos, e não para a participação da licitação, pois os licitantes não podem ser compelidos a arcar com custos unicamente para participar de um certame, já que isso restringe a competição indevidamente.
Portanto, Guimarães reforçou que, ainda que a licitação tenha por objeto uma prestação de serviços que deva ser localmente executada, não há impedimento de que empresas de outras localidades venham a apresentar proposta. Além disso, ele advertiu que o edital deve fixar prazo que seja suficiente para a preparação das instalações e execuções dos serviços a serem prestados, levando-se em conta todas as exigências burocráticas, de cunho fiscal e sanitário, inclusive, bem como as carências e demandas pelos serviços de raio-x da população local, por exemplo.
O conselheiro entendeu que o condicionamento da assinatura do contrato à prévia instalação de clínica de raio-x na localidade visada pelo certame, bem como o estabelecimento de prazo razoável para a instalação da clínica e início da execução dos serviços contratados, atende ao princípio da ampla concorrência e garante a efetivação da prestação dos serviços de saúde no município, assegurando a contratação mais vantajosa à administração.
O relator frisou que, como o credenciamento é instrumento pelo qual a administração manifesta interesse em contratar com todos os credenciados que tenham sido habilitados no respectivo procedimento, pois todos são igualmente aptos a prestar o serviço desejado, e a escolha dos serviços a serem prestados ocorrerá, efetivamente, por parte dos beneficiários dos serviços e não pela administração, a opção por clínicas que estejam dentro do município ocorrerá por parte dos beneficiários do serviço como consequência lógica.
Finalmente, Guimarães ressaltou que a empresa que não tenha clínica instalada de imediato no município poderá se habilitar a contratar com a administração mediante credenciamento, em nome do princípio da igualdade. No entanto, ele alertou que essa licitante terá que ponderar se os custos de instalação da clínica no município do ente contratante e a observância às burocracias de cunho fiscal e sanitário compensam o investimento a ser feito, uma vez que será requisito de conclusão do contrato com a administração a efetiva instalação da clínica no território do ente licitante.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão de Plenário Virtual nº 13/25 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 17 de julho. O Acórdão nº 1825/25 – Tribunal Pleno foi disponibilizado 24 de julho, na edição nº 3.490 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado do processo ocorreu em 4 de agosto.
Serviço
Processo nº: | 6050/24 |
Acórdão nº | 1825/25 – Tribunal Pleno |
Assunto: | Consulta |
Entidade: | Município de Pinhalão |
Relator: | Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães |
Autor: Diretoria de Comunicação Social