TCE/PR: licitação baseada em critérios restritivos contraria o interesse público
Publicado em: 18/07/2025
O caráter competitivo das licitações fundamenta-se na busca da proposta mais vantajosa para a administração pública. Por essa razão, é vedado admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação dos certames, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem esse caráter competitivo. Quanto mais amplo o universo de competidores, maior a probabilidade de a administração obter a melhor proposta.
Este foi o motivo pelo qual o Tribunal de Contas do Estado do Paraná determinou a suspensão da Concorrência Pública nº 1/2024 lançada pelo Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento Regional (Conder). A medida cautelar do TCE-PR foi concedida em Recurso de Agravo movido pela empresa Quark Engenharia Ltda., participante da licitação.
O consórcio, formado por 11 municípios da Região Sul do Paraná, abriu concorrência para contratar empresa para a prestação de serviços de iluminação pública nas cidades de Fernandes Pinheiro, Inácio Martins, Irati, Mallet, Rebouças e Teixeira Soares. O valor previsto na concorrência é de R$ 84.068.474,86.
Da disputa, participaram apenas duas empresas, uma das quais, a Quark Engenharia, ingressou junto ao TCE-PR com Representação da Lei de Licitações, com pedido de medida cautelar, para suspender o certame. A empresa alegou que, mesmo tendo apresentado o menor preço, foi desclassificada em razão de restrições alegadamente ilegais constantes na licitação.
Inicialmente, o relator do processo, conselheiro Augustinho Zucchi, não antevendo os elementos processuais que autorizariam a concessão de liminar, negou à empresa a suspensão da concorrência pública, motivo pelo qual houve interposição de Recurso de Agravo com o objetivo de reformar a decisão e obter a cautelar. Em plenário, ao ser apreciada nova negativa de liminar à empresa, por meio de voto divergente do conselheiro Maurício Requião, o recurso da Quark Engenharia foi provido por maioria de votos, e a concorrência foi suspensa até julgamento do mérito da Representação.
Parcerias público-privadas
A licitação aberta pelo consórcio tem como objeto a concessão pública de serviços de instalação, melhoramento, desenvolvimento, modernização, expansão, melhoria da eficiência energética, operação e manutenção da rede de iluminação pública daqueles seis municípios, com formato contratual de parceria público-privada (PPP).
Nessa modalidade, os custos e despesas decorrentes da execução nos anos iniciais do contrato são suportados pela concessionária, a qual deve possuir e demonstrar aos contratantes a devida saúde econômico-financeira de sua operação. Para arcar com esses custos, sem a remuneração à altura dos investimentos iniciais, as candidatas à concessão devem demonstrar que possuem recursos próprios ou que são capazes de obter junto a instituições financeiras os valores suficientes para a sua operação com segurança. Por este motivo, licitações envolvendo PPPs impõem demonstração de capacidade econômico-financeira, por meio de exigências desta natureza em seus editais.
No caso, o consórcio exigiu como critério de habilitação financeira a demonstração pelas candidatas do devido respaldo financeiro de suas operações e a compatibilidade destas com a vultuosidade do empreendimento, consistente na “experiência anterior como responsável pela gestão ou administração de empreendimento, pertencente ou não ao setor de iluminação pública, em que tenha captado, para a realização de investimentos, pelo menos R$ 14.069.225,91”. Este valor considerou recursos próprios da candidata ou de terceiros, por meio de empréstimos, sendo que esta última hipótese deveria compreender “retorno de longo prazo”.
Restrição
O edital, no entanto, excluiu do cálculo para atingir a experiência anterior os contratos passados da candidata em que houvesse “execução de obras ou fornecimento de materiais, em contratações formalizadas” sob regência da Lei de Licitações que esteve em vigor até 30 de dezembro de 2023 (Lei nº 8.666/1993); da Lei do Pregão (Lei Federal nº 10.520/2002); e do Regime Diferenciado de Contratações Públicas, instituído pela Lei Federal nº 12.462/2011″.
A exigência, não cumprida pela Quark Engenharia Ltda., motivou sua inabilitação, uma vez que apresentou atestados de capacidade financeira em que desenvolveu fornecimento de materiais e serviços, gerando, assim, a inconformidade da candidata.
Para o autor do voto divergente, não há justificativa técnica para a recusa em admitir os contratos de execução de obras e fornecimento de materiais para atestar a capacidade de captação de recursos pela candidata. “Ressalto, inclusive, que não há justificativa técnica ou legal para distinguir a captação de recursos realizada nos contratos de execução de obras ou fornecimento de materiais, da realizada nos contratos de locação e arrendamentos de ativos”, contestou Maurício Requião.
Ele emendou que “os contratos de empreitada têm capacidade de comprovar a aptidão financeira do prestador de serviços, de modo que nos casos em que a empresa comprove que mobilizou determinada receita para atender o objeto da licitação, em período equivalente e de acordo com o termo de referência do edital, não há impedimento para que sejam aceitos”.
Subjetividade
O conselheiro também observou a falta de objetividade de termos utilizados no edital que prejudicam o julgamento das propostas apresentadas, ocasionando insegurança jurídica aos licitantes. Entre estes termos está a expressão “retorno de longo prazo” a qual não indica que período seria. “A expressão demonstra-se excessivamente subjetiva e inadequada para procedimentos licitatórios, que devem apresentar período certo para a vinculação dos investimentos”, apontou Requião.
Por conseguinte, o relator entendeu que edital violou diversos pontos listados no artigo 5º da atual Lei de Licitações e Contratos Públicos (Lei Federal nº 14.133/2021), entre os quais os princípios do interesse público e o da competitividade, “ao restringir a competitividade mediante o estabelecimento de critério restritivo sem justificativa e respaldo legal, bem como ao estabelecer cláusulas excessivamente genéricas”. “Frise-se que a restrição da competitividade, no presente caso, resta demonstrada em virtude da participação de apenas duas empresas no certame”, lembrou.
A proposta de voto do relator divergente foi acompanhada pela maioria dos integrantes do Tribunal Pleno, no sentido dar provimento ao Recurso de Agravo, determinando a suspensão imediata da Concorrência Pública nº 1/2024, na fase em que se encontrar. O consórcio Conder e seus representantes legais foram intimados para o cumprimento imediato da decisão cautelar. Os efeitos da medida suspensiva serão mantidos até o julgamento de mérito do processo, a não ser que ocorra sua revogação antes disso.
A decisão, tomada na Sessão de Plenário Virtual nº 11/25 do Tribunal Pleno, concluída em 18 de junho, está no Acórdão nº 1547/25, publicada em 2 de junho, na edição nº 3.474 do Diário Eletrônico do TCE-PR. O Conder ingressou com Embargos de Declaração, questionando pontos da decisão. O recurso também será julgado pelo Tribunal Pleno.
Serviço
Processo nº: | 5114/25 |
Acórdão nº: | 1547/25 – Tribunal Pleno |
Assunto: | Recurso de Agravo |
Entidade: | Consórcio Intermunicipal para Desenvolvimento Regional |
Interessados: | Jorge David Derbli Pinto, Quark Engenharia Ltda. e outros |
Relator: | Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva |
Autor: Diretoria de Comunicação Social