Publicado em: 22/03/2024.

Havendo empate real entre as propostas apresentadas, a comissão de licitação deverá definir o vencedor por meio de um sorteio do qual participarão todas as empresas que figuraram no pregão.

Com esse entendimento, a 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao recurso interposto por uma empresa administradora de cartões e manteve o resultado de uma licitação promovida pela Prefeitura de Iperó (SP).

Feita por meio de pregão eletrônico, a licitação buscava contratar uma empresa para a administração e fornecimento de vale alimentação aos servidores municipais.

A administradora e outras duas empresas entraram na disputa na condição de beneficiárias da Lei Complementar nº 123. Promulgada em 2006, a lei estabelece que, nas licitações, o poder público deve dar prioridade às microempresas (MEs) e empresas de pequeno porte (EPPs) como critério de desempate.

Nesse sentido, a norma considera que há empate em um pregão nas situações em que as propostas apresentadas pelas MEs e EPPs sejam até 5% superiores à proposta mais bem classificada. Nesse cenário — chamado de “empate ficto” —, a ME ou EPP mais bem colocada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela de melhor valor, desempatando o certame a seu favor.

No caso dos autos, contudo, todas as empresas participantes da licitação ofertaram o mesmo valor: R$ 7,9 milhões. Diante do empate (real, no caso, e não ficto), a prefeitura resolveu a questão fazendo um sorteio do qual participaram todas as empresas. A vencedora foi uma das credenciadas com base na LC 123/2006.

Desclassificada do certame, a administradora de cartões entrou com um mandado de segurança alegando que a prioridade para microempresas e EPPs não foi observada pela comissão de licitação — que, por sua vez, informou que a regra de preferência não se aplica na hipótese de empate real.

Por fim, a administradora argumentou que a sorteada não se enquadrava nas categorias de empresas com prioridade.

O juízo de primeira instância indeferiu a liminar e manteve o andamento do pregão. A administradora entrou, então, com agravo de instrumento.

Aniquilar a concorrência

Relatora do agravo, a desembargadora Maria Fernanda de Toledo Rodovalho disse não ter encontrado a irregularidade apontada.

Ela explicou que, para além da LC 123, a própria Constituição, em seu artigo 179, prevê o tratamento diferenciado às microempresas e às empresas de pequeno porte como forma de viabilizá-las no mercado. Na mesma linha, a Lei nº 8.666/1993 dispõe que as normas de licitações devem privilegiar as MEs e EPPs. Também o edital da licitação promovida pelo município paulista observou o direito de prioridade no desempate, conforme prevê a LC 123.

Ocorre que, no caso em análise, as propostas apresentadas pelas empresas eram idênticas. E isso, segundo a relatora, leva à constatação de que não se estava mesmo diante de “empate ficto”, mas de um empate real entre todas as licitantes.

A desembargadora destacou que, após o empate, a comissão licitante concedeu a oportunidade para que as empresas classificadas como ME ou EPP encaminhassem nova oferta, “mas elas permaneceram inertes”.

Na sequência, a comissão apurou se havia preferência entre as empresas segundo a Lei 8.666/1993, que estabelece como critérios a produção de bens no Brasil, por empresas nacionais; o investimento em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia no país; e a reserva de cargos para pessoa com deficiência. Ainda assim, o empate foi mantido.

Nessa situação, o edital previa que o vencedor seria definido em um sorteio feito por sistema eletrônico entre as propostas empatadas. Na visão da EPP autora do agravo, porém, a comissão deveria ter limitado o sorteio somente às microempresas e às empresas de pequeno porte, tanto na hipótese de empate ficto quanto na de empate real. Para a relatora, tal entendimento é equivocado.

Isso porque o tratamento pedido pela administradora se refere à oportunidade de apresentar nova proposta em caso de empate ficto. “O empate real não torna possível a aplicação dessa lógica”, explicou a desembargadora. Com isso, “a vontade da empresa de aniquilar parte da concorrência, para que o sorteio, neste caso, aconteça tão somente entre as microempresas e empresas de pequeno porte ofende o princípio da legalidade, vinculação ao edital, isonomia e contratação mais vantajosa.”

Citando tese do autor Laércio Loureiro, especialista na Lei de Licitações, a relatora destacou que “em nenhum momento” a LC 123 estabelece uma preferência com base na simples razão de uma empresa ser ME ou EPP “em detrimento da vantajosidade a ser buscada pela administração pública”. Diante disso, no caso de empate real, o sorteio entre todas as empresas é a solução.

Por fim, ela rejeitou o argumento de que a sorteada não poderia participar da licitação como beneficiária da LC 123, já que a receita bruta da empresa está dentro do limite previsto para EPPs na lei.

A votação foi unânime. Participaram do julgamento os desembargadores Claudio Augusto Pedrassi (presidente), Renato Delbianco e Marcelo Berthe.

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Agravo de Instrumento 2338418-94.2023.8.26.0000